KEVIN AGNER RAMOS GUEDES
(coautor)
ADRIANO FERNANDES FERREIRA[1]
(orientador)
RESUMO: O Mercosul, bloco econômico fundado em 1991, objetivava aproximar as relações econômicas e a uniformização de direitos e garantias fundamentais entre os Estados-membros. A intensificação das trocas comerciais que fomentaria as relações trabalhistas gerou a necessidade de criação de diretrizes a serem seguidas pelos membros desta organização, resultando na Declaração Sociolaboral do Mercosul, assinada em 1998 e revisada em 2015. Entretanto, por não possuir natureza vinculante, mesmo com os esforços, a declaração continua com natureza meramente norteadora, acarretando diferenças nos aspectos trabalhistas nos Estados-membros do Mercosul. Desta forma, o objetivo deste texto é examinar as legislações trabalhistas dos países, mostrando suas similaridades e peculiaridades, tanto no ordenamento constitucional, quanto no infraconstitucional, através do método jurídico-comparativo.
Palavras-chave: Legislação Trabalhista; Mercosul; Direito do Trabalho; Bloco econômico; Direito Internacional.
ABSTRACT: Mercosur, an economic bloc founded in 1991, aimed to bring economic relations closer and standardize fundamental rights and guarantees among member states. The intensification of commercial exchanges that would foster labor relations generated the need to create guidelines to be followed by the members of this organization, resulting in the Mercosur Socio-Labor Declaration, signed in 1998 and revised in 2015. However, as it is not binding, despite the efforts, the declaration continues with a merely guiding nature, resulting in differences in labor aspects in the Mercosur member states. In this way, the objective of this text is to examine the labor laws of the countries, showing their similarities and peculiarities, both in the constitutional order and in the infra constitutional order, through the legal-comparative method.
Keywords: Labor Legislation; Mercosur; Labor Law; Economic block; International Law.
1 INTRODUÇÃO
A trajetória do capitalismo pode ser dividida em três fases: a das navegações, a da industrialização e a da globalização. As grandes navegações do século XV e XVI são responsáveis pela expansão geográfica do capitalismo pelo mundo além das fronteiras tradicionalmente conhecidas, formando um sistema inédito de produção e consumo de mercadorias. Já o capitalismo industrial desenvolveu tecnologias que aumentaram a produção e a produtividade do trabalho humano, criando uma nova divisão mundial do trabalho. Por fim, o atual capitalismo globalizado mostra sua força através do domínio de corporações no campo produtivo, financeiro e comercial através de redes que controlam o mercado-mundo.
Com o avanço da globalização e as relações internacionais cada vez mais intensificadas, muitos países sentiram a necessidade de estabelecer compromissos econômicos entre si, buscando proteger e fortalecer suas economias através de diversos mecanismos como a redução ou eliminação de impostos, zonas de livre comércio, livre circulação de pessoas e até a criação de uma moeda única. Neste contexto, a experiência mais exitosa até hoje foi a vivenciada pelos europeus. A União Europeia iniciou-se como uma entidade econômica setorial simples chamada CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) em 1951 que posteriormente foi expandida como Comunidade Econômica Europeia até atingir o patamar atual que ultrapassa as questões econômicas e reflete também em aspectos políticos e culturais.
O sucesso do modelo implementado no velho continente influenciou a formação de diversos outros blocos econômicos distintos entre si como o NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) na América do Norte e a ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) na Ásia. Na América do Sul não foi diferente, com a aproximação de suas nações, o desejo pela manutenção da democracia e anseio pelo desenvolvimento econômico, as conversas sobre a criação de um Mercado Comum do Sul despontaram já na década de 80 entre a Argentina e o Brasil.
Desta forma, após intensas negociações, o Tratado de Assunção foi assinado entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai com o intuito de criar um mercado comum entre os países signatários, popularmente conhecido como Mercosul. Composto por membros plenos e estados associados, o Mercosul possui como principal pilar o econômico mas também com forte apelo para o pilar social para o alcance da integração desejada pelos membros.
Os mais significativos marcos normativos do bloco econômico que visa a promoção da harmonização dos direitos sociais é a Declaração Sociolaboral do Mercosul e o Acordo Multilateral de Seguridade Social. Mesmo com suas singularidades, tais acordos demonstram como os Estados-Partes se preocupam com a sedimentação jurídica institucional de preceitos de ordem fundamental relativos ao trabalhador. Destarte, o artigo visa apresentar como o ordenamento jurídico de cada Estado aborda os direitos e garantias fundamentais do trabalhador e sua efetivação de acordo com as disposições que o Mercado Comum do Sul objetiva.
2 DECLARAÇÃO SOCIOLABORAL DO MERCOSUL
Constituído em 26 de março de 1991, através do Tratado de Assunção, o Mercosul apresentou, de modo geral, os seguintes objetivos em seu Artigo I: (a) A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; (b) O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; (c) A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegárias, de transporte e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes, e; (d) O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
Dessa maneira, ficou evidente o foco central do Bloco no dia de sua fundação: o aspecto econômico e desenvolvimentista voltado aos Estados-membros. Diante disso, como forma de tratar acerca de temas voltados aos direitos sociais, no dia 10 de dezembro de 1998 foi assinada a Declaração Sociolaboral do Mercosul: um tratado internacional criado pelos Estados vinculados ao Mercado Comum do Sul durante reunião semestral do Conselho do Mercado Comum, no Rio de Janeiro, sendo posteriormente revisado no dia 17 de julho de 2015.
O documento, de maneira objetiva, mostra o compromisso dos Estados Parte em firmar direitos que foram outrora ignorados pelo Tratado de Assunção, tais como a garantia de direitos laborais e bem-estar social por intermédio de pautas que priorizaram o trabalhador, evidenciando um interesse além do econômico por parte do Bloco.
Se no Tratado de Assunção o trabalhador é representado implicitamente como fator produtivo de livre circulação (artigo 1, a) na Declaração Sociolaboral do Mercosul ele é dotado de direitos que visam fomentar seu bem-estar no âmbito laboral tanto em seu país quanto em outros. Atrelado a isso, é objetivado também o desenvolvimento na região através do estímulo à criação de empresas sustentáveis.
Dividido em três partes (Direitos Individuais, Direitos Coletivos e Outros Direitos), o texto faz claras relações com as convenções da OIT com o objetivo de oferecer vias conjuntas entre o progresso social e o progresso econômico. Seus princípios gerais, voltados à promoção de trabalho decente e empresas sustentáveis definem a adoção de valores como elevar a condição de vida de seus cidadãos e a geração de empregos produtivos.
A partir dos Direitos Individuais, o texto aborda sobre: (a) não discriminação (art. 4º); (b) igualdade de oportunidade entre homens e mulheres (art 5º); – artigos iniciais baseados principalmente na convenção nº 111, de 1958, da OIT – (c) Igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores com deficiência (art. 6º); (d) Trabalhadores migrantes e fronteiriços – baseado na convenção nº 143, de 1975, da OIT. – (art. 7º); (e) Eliminação do trabalho forçado ou obrigatório (art. 8º); (f) Prevenção e erradicação do trabalho infantil e proteção ao trabalhador adolescente (art. 9º).
Em sua primeira parte, evidencia-se uma clara mensagem da parte dos Ministros do Trabalho que compõe os Estados-Parte do Mercosul, de que o desenvolvimento regional e a integração entre os países do Bloco não devem se ater ao âmbito comercial, mas englobar a questão social que abraça desde os termos que regulam a esfera trabalhista às novas realidades trazidas pela integração e os processos vindouros da globalização.
A partir dos artigos 10 ao 15, são abordados direitos que envolvem diretamente empregador e empregado, facultando a cada empregador o direito de dirigir e organizar suas empresas, subordinados à legislação de cada Estado-Parte. Ainda, direitos básicos sociais encontrados na Constituição Federal/88 como os direitos à remuneração, férias, licença e tempo de jornada são trabalhados na Declaração.
Dentro dos Direitos Coletivos, são trabalhadas as liberdades sindicais espelhada em duas convenções: a 151 (ano de 1978) e 87 (ano 1948) essa, até o momento, não ratificada pelo Brasil. O texto ainda permite a formação e afiliação de organizações de trabalhadores sob a tutela estatal. O texto garante da parte dos Estados membros a proteção contra demissões ou prejuízos por causa de sua filiação sindical ou de sua participação em atividades sindicais, o combate à discriminação e demissão motivada por fins de atividades sindicais e o direito à representação em acordos e convenções coletivas. Essas são inspiradas pela convenção nº 154, de 1981.
Em seu artigo 18, partes a e b, a Declaração reafirma a garantia já do exercício do direito de greve, nas disposições nacionais vigentes. Afirma, também, que "os mecanismos de prevenção ou solução de conflitos ou a regulação deste direito não poderão impedir seu exercício ou desvirtuar sua finalidade".
A respeito dos diálogos sociais, segundo Cláudia Ferreira Cruz, foi dado:
(...) um posicionamento em direção a estimular a negociação entre os agentes sociais e ampliar a flexibilização no campo de ação do Mercosul. Pois os Estados Partes comprometem-se a estimular o diálogo social nacional e regionalmente, criando mecanismos de consultas permanentes entre representantes dos governos, dos empregadores e dos trabalhadores, e por uma concordância de ideias possa garantir "condições favoráveis ao crescimento econômico sustentável e com justiça social da região e a melhoria das condições de vida de seus povos.[2]
Em se tratando dos outros direitos, última parte da Declaração, é reafirmada a centralidade do emprego nas políticas públicas para que se chegue ao desenvolvimento sustentável na região do Bloco. Há um comprometimento dos Estados Partes em promover a ampliação dos mercados internos e regionais. Ainda, são reforçados os esforços de proteção contra o desemprego e o incentivo a programas de requalificação profissional que facilitem o retorno do desempregado ao mercado de trabalho.
Todos os Estados-Parte do Mercosul têm em seus ordenamentos pareceres acerca de saúde e segurança do trabalho. Dentro da DSL, em seu 25º artigo, há o direcionamento para que os Países membros formulem, implementem, controlem e avaliem periodicamente um sistema nacional de saúde que garanta melhoria contínua nas condições dentro do ambiente de trabalho. Dessa forma, a Declaração Sociolaboral atenta-se, também, com questões de relevância para o bem-estar do trabalhador, dando-lhes o direito de cumprirem com suas funções em um ambiente de trabalho seguro, preservando a saúde mental e corporal do trabalhador.
Em seu 26º artigo da DSL são exigidos respectivamente o comprometimento dos Estados em manter serviços de inspeção a fim de assegurar a aplicação das disposições legais e regulamentares direcionadas à proteção do trabalhador. Por fim, o Mercosul afirma o direito à seguridade social dentro da legislação de cada Estado-Parte a fim de garantir uma rede mínima de ajuda social que, independentemente de sua nacionalidade, proteja seus moradores frente às contingências de vulnerabilidade social, principalmente nas que envolvam enfermidades, velhice, invalidez, deficiência e morte, com o intuito de coordenar as políticas no âmbito social, de maneira a dirimir possíveis discriminações oriundas da origem dos beneficiários.
Apesar de seus objetivos, para Wolney de Macedo Cordeiro:
a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, portanto, foi forjada sob a ideologia do ‘politicamente possível’, consubstanciando-se em uma relação de garantias sociais genéricas sem mecanismos de imposição do seu cumprimento e sem o estabelecimento de órgãos regionais destinados à efetivação dos dispositivos relacionais.[3]
Dentro desse entendimento, é extremamente necessário reconhecer a importância da Declaração Sociolaboral, mas ainda assim é preciso salientar que enquanto os Estados-Parte, dentro de seu ordenamento jurídico interno, não elaborarem formas de garantia dos direitos sociais tais Declarações não terão força coercitiva e produzirão pouco efeito prático.
3 ACORDO MULTILATERAL DE SEGURIDADE SOCIAL
A livre circulação de pessoas dentre os países intensificou ainda mais os processos migratórios entre os países do MERCOSUL que já eram volumosos, consequência da globalização econômica que encontra na migração uma das suas mais importantes características.
Neste contexto, as inquietações sobre a seguridade social e seus direitos, surgem ao falar sobre a concessão dos benefícios com o seguinte questionamento: como os trabalhadores migrantes receberiam tal benefício já que trabalharam em mais de um país e em nenhum deles preencheram o requisito temporal para a concessão do benefício previdenciário?
Desta forma, foi necessária a criação de um procedimento para o reconhecimento da contribuição previdenciária de um trabalhador através do “Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Comum do Sul e seu Regulamento Administrativo” de 15 de dezembro de 1997 e que foi promulgado pelo decreto nº 5.722 de 2006 no Brasil. Ele estabelece normas que regulam as relações de Seguridade Social nos países integrantes do bloco econômico supracitado.
Dentre os diversos pontos estabelecidos, em seu artigo 2º, estão o reconhecimento aos direitos de Seguridade Social aos trabalhadores que prestam serviços nos Estados do Mercosul, assim como também aos seus familiares, sendo também sujeitos às mesmas obrigações dos nacionais de cada estado, assim como no artigo 4°, que submete o trabalhador a legislação do território cujo em que exerça a atividade laboral. Ademais, também são definidas algumas exceções às regras como trabalhadores de empresas de transporte aéreo ou terrestre e também que entidades gestoras dos Estados pagarão as prestações pecuniárias na moeda do seu país e estabelecerão mecanismos para a transferência de fundos entre os Estados.
4 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE AS RELAÇÕES TRABALHISTAS NO BRASIL
No Brasil, as conquistas sociais em relação ao trabalho são consideradas tardias, fruto do nosso desligamento com a escravidão ter ocorrido apenas no final do século XIX, assim como também uma industrialização na primeira metade do século XX. Contudo, já durante os primeiros anos de República, já existiam movimentos que buscavam garantias legais como a Fundação da Liga Operária no Rio de Janeiro e uma lei que proibia trabalho para menores de 12 anos. Mais tarde, normas que previam férias de 15 dias por ano e alguns tipos de direitos em relação ao trabalho foram sendo criadas.
A partir do governo Vargas, o estado brasileiro buscou o equilíbrio entre os elos formantes da corrente do capital industrial, com a Constituição de 1934 que previa salário-mínimo, repouso semanal, assistência médica e sanitária, jornada de trabalho de 8 horas e férias remuneradas. Contudo, apenas em 1943, no dia 1° de maio, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi promulgada. Vargas foi responsável pela unificação das leis do trabalho e garantiu uma parte das demandas dos trabalhadores. 13° salário, repouso semanal e outras conquistas vieram em leis posteriores.
Percorrendo a História e todo o ordenamento jurídico do país, é perceptível que no âmbito laboral brasileiro, a legislação que afirma os direitos do trabalhador é extensa. Com direitos assegurados em sua Constituição, o ordenamento define o trabalho como direito social. Como objeto de base fundamental para a criação de novas leis, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, garante ao cidadão o livre exercício do trabalho, ofício ou profissão sendo esse considerado direito fundamental.
Categoricamente, a Constituição de 1988 associou em seu artigo 7º, os direitos dos trabalhadores rurais e urbanos e outros que almejam à melhoria de sua condição social. No parágrafo único, arrolou os direitos assegurados à classe dos trabalhadores domésticos. Em seu artigo 8º, estabeleceu a liberdade sindical; e, no artigo 9º, o direito de greve, todos esses tidos como conquistas sendo resultado de grandes disputas e debates políticos.
Se tratando do trabalhador estrangeiro, esse passou a ter os mesmos direitos trabalhistas de um empregado natural do Brasil, como 13º salário, férias de 30 dias e FGTS, tomando como base também os dispositivos do Protocolo de Cooperação do Mercosul, que prevê tratamento igualitário entre os nascidos nos países que firmaram o pacto nos territórios contemplados, o qual diz em seu artigo 3º que “os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados Partes gozarão, nas mesmas condições dos cidadãos e residentes permanentes do outro Estado Parte, do livre acesso à jurisdição desse Estado para a defesa de seus direitos e interesses”
Além da Carta Magna, o direito brasileiro conta também com um código de Leis Trabalhistas – CLT (Lei nº 13.467/2017) que, reformado no dia 11 de novembro de 2017, trouxe mudanças que contemplaram o trabalhador, mas também consideraram em peso o empregador. Com o intuito de aumentar as interações coletivas, diversos aspectos do trabalho passaram a ser mais negociáveis, dentre as quais está o artigo 611-A da CLT que permitiu a negociação das condições de trabalho entre as partes (sindicatos e empresa) por intermédio de acordos ou convenções coletivas de trabalho.
Além desse, outros direitos foram alterados com o novo Código de Leis Trabalhista, tais como: tempo de gozo das férias (de 30 dias) que passou a ser fracionada em até três períodos; tempo de trabalho diário que antes era limitada a oito horas diárias e passou à possibilidade de doze horas diárias, respeitando ainda o limite de quarenta e quatro horas de trabalho semanais; desconsideração dentro da jornada de trabalho as atividades que não estão diretamente ligadas à função do empregado (alimentação, descanso, estudo, higiene, tempo despendido até o local de trabalho e o retorno, dentre outros); possibilidade de negociação do tempo de intervalo, no mínimo de 30 minutos (o mínimo anteriormente era de 1h); a desobrigação do pagamento do piso ou salário mínimo por produção; a desobrigação da homologação do plano de carreira no Ministério do Trabalho, podendo ser negociado entre patrões e trabalhadores.
Em comparação com a Declaração Sociolaboral do Mercosul, a legislação brasileira também dispõe da altíssima carga social, garantindo direitos que preservam a dignidade do trabalhador. No entanto, com a crescente valorização do empresário, o trabalhador foi duramente penalizado, haja vista grandes mudanças ocorridas no Código de Leis Trabalhistas.
5 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE AS RELAÇÕES TRABALHISTAS NA ARGENTINA
Os direitos dos trabalhadores argentinos são citados já nos primeiros artigos do texto constitucional do país através de princípios. No seu artigo 14, é informado que todos os habitantes da nação gozam do direito, de acordo com as leis que regulam seu exercício a trabalhar e exercer qualquer setor legal.
Ademais, mais especificamente no artigo 14 bis, é exposto que o trabalho, nas suas diversas formas, gozará da proteção das leis, que garantirão ao trabalhador condições dignas e justas de trabalho, horas limitadas, descanso pago e férias, remuneração justa, salário mínimo de vida móvel, participação nos lucros da empresa, com controle de produção e colaboração na gestão, proteção contra demissão arbitrária, estabilidade do funcionário público e organização sindical livre e democrática, reconhecida pelo simples registro em um registro especial. Por fim, também define que o Estado concederá os benefícios da seguridade social, que serão abrangentes e inalienáveis. Em particular, a lei estabelecerá: seguro social obrigatório, aposentadoria e pensões móveis, a proteção integral da família, defesa do bem da família, compensação financeira familiar e acesso a moradias decentes.
O salário mínimo argentino possui valor de 65.427 pesos argentinos, equivalente a 1.957,03 reais (valores para janeiro de 2023 na cotação oficial). Apesar do valor maior em relação ao salário mínimo nacional, é importante salientar que a Argentina possui um alto custo de vida e taxas inflacionárias extremamente significativas que fizeram o valor nominal do salário mínimo dobrar em relação ao valor definido em janeiro de 2022. Sendo assim, a maioria dos aumentos anuais torna-se uma mera correção monetária em relação à inflação acumulada.
Um dos pontos mais controversos é a licença maternidade no país. A mulher grávida também adquire a estabilidade e o direito de remuneração durante o afastamento, porém com algumas restrições. O período é menor e contado de maneira diferente: são 90 dias de afastamento, inferiores aos quatro meses recomendados por organizações globais, e a mulher é afastada por 30 dias antes do parto previsto e retorna após 60 dias, com a possibilidade de dividir em dois períodos de 45 dias antes e depois do parto. A mulher pode negociar meses adicionais de licença com o empregador, porém sem remuneração, mas com a estabilidade garantida.
A jornada de trabalho também possui suas peculiaridades. Apesar de ser contabilizado semanalmente, com um turno integral de oito horas de trabalho diárias, o limite diário é de 12 horas por dia, contanto que não ultrapasse as 40 horas semanais. Na prática, torna-se possível a criação de regimes de trabalho com horas diferentes do comum, de acordo com o negociado com o empregador.
Como é possível notar, os direitos trabalhistas na Argentina são semelhantes com aqueles que encontramos no Brasil, mas a situação econômica historicamente mais instável do país gerou algumas diferenças com o passar dos anos que buscam aumentar a produção de empregos. Inclusive, pelo texto constitucional indicar apenas princípios, acaba por permitir a flexibilização dos direitos sociais de acordo com as necessidades econômicas e sociais do país. Essa possibilidade levanta o questionamento sobre até onde essa flexibilização é aceitável sem que interfira nos preceitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana.
Uma dessas possibilidades de flexibilização da legislação trabalhista é direcionada para as pequenas e médias empresas. Buscando a geração de empregos, há um conjunto de termos menos restritivos com a possibilidade de redução de algumas garantias. Apesar disso, de forma geral, o sistema é benéfico para trabalhadores.
6 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE AS RELAÇÕES TRABALHISTAS NA URUGUAI
O Uruguai possui um contexto um pouco menos comum em relação aos outros países do Mercado Comum do Sul visto que o país é pautado na desregulamentação legal do Direito do Trabalho, autonomia sindical e na abstenção do Estado. Possui uma quantidade relativamente reduzida de leis trabalhistas com predominância da negociação coletiva, preservando os direitos de ordem fundamental. Para o ordenamento trabalhista uruguaio, o Estado deve interferir o mínimo possível em relações pautadas nos direitos coletivos, buscando a prevalência da negociação entre as partes.
Todavia, mesmo com essas premissas liberais, o princípio predominante é o da proteção para as relações individuais e coletivas, com possibilidade de certa flexibilização que não deve interferir nas bases das relações do trabalho.
Na Constituição uruguaia de 1997, existem artigos importantes a serem citados dentre as garantias fundamentais em relação ao trabalho. No seu artigo 53, é determinado que o trabalho está sob proteção especial da lei e todo habitante da República, sem prejuízo de sua liberdade, tem o dever de aplicar suas energias intelectuais ou corporais de maneira a beneficiar a comunidade, que tentará oferecer, de preferência aos cidadãos, a possibilidade de ganhar a vida através da o desenvolvimento de uma atividade econômica. Já o artigo 54 diz que a lei deve reconhecer quem está em uma relação de trabalho ou serviço, como trabalhador ou empregado, a independência de sua consciência moral e cívica; remuneração justa; a limitação do dia; descanso semanal e higiene física e moral assim como determina que o trabalho de mulheres e menores de dezoito anos seja regulamentado.
É importante salientar que o contrato de trabalho escrito não é obrigatório, embora seja uma prática difundida nos últimos anos. A existência de uma relação de trabalho abarca uma prestação pessoal, retribuída economicamente e que estará sob subordinação ou dependência, a disposição de um terceiro que ordena, vigia e dirige a atividade, quando se cumpre com essas características regerá o direito de trabalho.
A fixação do salário-mínimo nacional é feita em conformidade com o Convênio Internacional de Trabalho n° 131 da O.I.T. e é decretado pelo Poder Executivo com os atores sociais a atualização é de forma periódica. Mesmo fixado, a enorme maioria dos setores fixam seus mínimos salariais por meio da negociação coletiva. O salário mínimo nacional uruguaio é um dos mais altos da América do Sul, atualizado em 2023 para 21.106 pesos uruguaios (2.833 reais em janeiro de 2023).
As jornadas de trabalho são duplamente limitadas: semanalmente, já que não pode ultrapassar às 48 horas semanais na indústria e 44 horas semanais no comércio e diariamente, não durando mais que 8 horas diárias. Para atividades insalubres, o limite é de 6 horas diárias. Ademais, o trabalhador no Uruguai possui direito a um descanso intermédio durante a jornada laboral e um descanso semanal.
Diferente do Brasil, os trabalhadores possuem férias de no mínimo 20 dias após um ano de trabalho cumprido, com a previsão de aumento dos dias de férias em função da antiguidade no trabalho. A licença maternidade da mulher abrange as 6 semanas antes da data presumida do parto e até 8 semanas depois do parto, com a entrega de um subsídio econômico.
Por fim, o empregador tem a faculdade de demitir seus empregados mediante pagamento de uma indenização. Tais demissões podem ser diretas ou tácitas caso o empregador manifeste sua vontade de encerrar o vínculo empregatício ou indireta quando o empregador não cumpre com as obrigações do contrato de trabalho a ponto do trabalhador se considerar demitido, sendo liberado de suas obrigações de prestar a atividade.
7 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE AS RELAÇÕES TRABALHISTAS NO PARAGUAI
As necessidades acerca dos direitos laborais e garantias fundamentais trabalhistas receberam uma organização coerente ainda na Constituição paraguaia de 1967. A partir de sua sucessão em 1992, a questão laboral recebeu a implementação de novos artigos que enriqueceram seu ordenamento e demonstraram a necessidade de maior amparo ao país que apresentava fragilidade política, social e econômica.
Definido no Código de Trabalho paraguaio como “pessoa física que exerce um trabalho ou presta serviço a outro [...] de forma voluntária”, o trabalhador possui uma gama de garantias mínimas e direitos que lhe cercam, principalmente por ser considerado a parte fraca da relação de emprego.
Dentro do âmbito dos direitos básicos do trabalhador, a Lei de nº 213, que institui o Código de Trabalho paraguaio assegura a não discriminação com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política ou contrato social. Defende a existência digna e o direito a condições justas no exercício do seu trabalho, além de proporcionar educação técnica para aprimoramento de habilidades. Ainda, defende a integral remuneração de seus trabalhadores, opondo-se ao trabalho não remunerado e forçado.
No que se refere às jornadas de trabalho, estipula-se até oito horas de trabalho diárias e o máximo de 48h semanais quando o trabalho for diurno e sete horas por dia ou quarenta e duas horas semanais em trabalho noturno. Há ainda, atenção para o tempo de trabalho de maiores de quinze anos e menores de dezoito anos, definidos entre seis horas diárias e trinta e seis horas semanais. Para trabalhos em ambientes insalubres também são definidas seis horas diárias de trabalho no máximo.
Um ponto interessante acerca dos direitos trabalhistas no Paraguai se encontra no período das férias, onde ao invés dos 30 dias que são assegurados nas leis trabalhistas brasileiras, os períodos de recesso do trabalhador paraguaio variam conforme seu tempo dentro da empresa que trabalha. Do primeiro ao quinto ano como empregado, os paraguaios podem gozar de férias de 12 dias remuneradas por ano. Mantendo-se na mesma empresa, do sexto ao décimo ano, terão 18 dias de férias. E só depois do décimo ano na mesma firma é que se pode desfrutar dos mesmos 30 dias que os brasileiros.
Em relação ao salário-mínimo, o Paraguai possui um valor pelo menos razoável, apesar do custo de vida alto. Com valor atual de 2,550 milhões de guaranis (1864 reais em janeiro de 2023), é considerado um dos que possuem o maior poder de compra da região. Contudo, dados da Central Unitária de Trabalhadores apontam que mais de 35% dos trabalhadores recebem menos do que o mínimo legal. Inclusive, o presidente da Central, Bernado Rojas, considera o mínimo paraguaio insuficiente e que não há uma política estatal para diminuir a diferença entre o custo de vida e o ganho dos trabalhadores.
Sobre licença maternidade e paternidade, a primeira é de 18 semanas pagas pela Previdência Social e a segunda com período de 2 semanas depois do parto pagas exclusivamente pelo empregador.
No tocante à Declaração Sociolaboral do Mercosul, a Constituição do Paraguai tem previsão expressa sobre a liberdade sindical, além de repelir toda e qualquer forma de discriminação ao trabalhador e dedicar proteção especial ao trabalho das mulheres. É válido ressaltar que, apesar de haver definições para o trabalho adolescente dentro do ordenamento paraguaio, esses não são abarcados nas definições da DSL que se mostra contrária ao labor para jovens menores de dezoito anos.
8 CONCLUSÃO
O Mercosul tem natureza jurídica semelhante à de outros blocos, como o Europeu. Ou seja, propõe a integração dos países visando o crescimento da concorrência empresarial e dos meios de produção de forma a trazer melhores condições de vida e avanço social. No entanto, é preciso mensurar as consequências que a natureza não vinculativa dos tratados abordados pode trazer aos seus objetivos, tendo em vista que sua eficácia jurídica depende exclusivamente do anseio político.
Desse modo, suas propostas têm papel muito mais orientador do que normas a serem seguidas com força coercitiva, pondo em dúvida acerca da eficácia dos direitos que o próprio Bloco assegurou aos Estados-membros. Destarte, cada país direciona seus cidadãos de acordo com suas legislações trabalhistas e ordenamentos jurídicos trazendo o questionamento acerca do papel real dos tratados abordados dentro da jurisdição de cada Estado-Parte do Mercosul.
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MERCOSUL. Em poucas palavras: O que é Mercosul?. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/quem-somos/em-poucas-palavras/. Acesso em 20/11/2022.
O futuro das relações trabalhistas no Brasil. Disponível em: https://exame.com/blog/opiniao/o-futuro-das-relacoes-trabalhistas-no-brasil/. Acesso em: 15/11/2022.
O Trabalhador Estrangeiro no Brasil. Disponível em: https://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/o-trabalhador-estrangeiro-no-brasil#:~:text=Ao%20trabalhar%20no%20pa%C3%ADs%2C%20o,de%20folga%2C%20preferencialmente%20aos%20domingos. Acesso em: 15/11/2022.
Tratado de Assunção Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaAdpf101/anexo/Tratado_de_Assuncao..pdf Acesso em 04/10/2022.
URUGUAY. [Constituição (1967)]. Constitución de la República. Assunção: [s. n.], 2004. Disponível em: https://parlamento.gub.uy/documentosyleyes/constitucion. Acesso em: 15/11/2022.
[1] Pós-Doutor em Direito Pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha (2019). Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidad Castilha la Mancha, na Espanha (2014). Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho (2005). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Maringá (2001). Coordenador do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da UFAM. [email protected]
[2] CRUZ, Claudia Ferreira. A declaração sociolaboral do Mercosul e os direitos fundamentais dos trabalhadores. São Paulo: USP, 2001. p. 28
[3] CORDEIRO, Wolney de Macedo. A regulamentação das relações de trabalho individuais e coletivas no âmbito do Mercosul. São Paulo: LTr, 2000, p. 141.
graduandos em Direito pela Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Leonardo Salles. Aspectos trabalhistas no âmbito do Mercosul Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2023, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /61128/aspectos-trabalhistas-no-mbito-do-mercosul. Acesso em: 28 dez 2024.
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